"Para me ouvir, precisei que a linguagem pusesse em orde
o secreto mundo do sacrifício. Não são as virtudes «abstractas»
da matéria verbal que libertam o poema do seu peso solar;
e a recordação da loucura não deixa de atormentar
o cérebro que pensa, nem quando as rodas do tempo humilham
a luminosa precisão do cântico. Agora, a voz visível
do espírito oval traça os contornos da sacrílega escala.
A evidência do corpo subtrai-se à inesperada
aparição, e as sombras descem sobre a figura surpreendida
na boca. Chamei-me do rebordo vazio do verso, cujos ombros
de argila o meu tronco vergava, e voltei-me na total negação
sobre mim próprio, para dentro da viscosa cavidade."
Nuno Júdice, "As inumeráveis águas", in Obra Poética (1972-1985), Lisboa: Quetzal, 1991, p. 114.
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