"Mas como começou tudo isto? Não se iniciou já há anos esta submissão, este viver sob a tutela de redes de inimizades e amizades, pouco tempo depois de se ter deixado enredar pelas querelas da sociedade? Não criou ele desde aí, no seu desalento, uma vida dupla, uma vida múltipla, para poder ainda viver? Não está ele a enganar todos e cada um e ainda mais a si próprio? Boas proveniências tinham-lhe facultado pressupostos para a amabilidade, para a confiança. Um desejo nostálgico louvável tinha-o feito ansiar de um modo bárbaro pela desigualdade, por uma razão suprema e por uma visão profunda e totalizante. Para além disto, apenas adquirira a experiência de que o indivíduo é brutalizado pelos homens, que eles próprios também o são, que há momentos em que podemos ficar cinzentos de tão ofendidos - e que todos são ofendidos até à morte dos outros. Que todos têm medo da morte, embora só nela se possam salvar da monstruosa ofensa que é a vida."
Ingeborg Bachmann, "Trinta Anos", in Trinta Anos, trad. Leonor Sá, Lisboa: Relógio D´'Água, 1988, p. 27.
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