Friday, January 15, 2021

ESTAR À ALTURA

 



"No calor protector da cama, eu sonhava, lia, viajava em imaginação, divagava numa preguiça igual à dos deuses no Olimpo, perdidos nas alturas, por cima do azul, recostados em almofadas de nuvens, preenchendo a sua eternidade com banquetes onde a música das esferas criava ambiente aos platónicos diálogos, às disputas eventuais e às menos platónicas bacanais. Aquilo que distinguia os deuses dos mortais - para além, claro, da imortalidade - era o ócio total e o seu corolário de orgias generalizadas e sem nenhuma ideia de pecado. Mesmo se certas deusas escapavam à regra, persistindo numa birrenta e embirrante virgindade, dedicando-se à caça e a outras banalidades; e apesar de nem todos os deuses estarem à altura da extraterrena libertinagem, no conjunto eles constituíam o modelo impossível do que eu queria, embora injustamente condenado a nunca, nem por sombras, lá chegar."

Almeida Faria, O Conquistador, Lisboa: Editorial Caminho, 1990, p. 69. 

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