Tuesday, July 12, 2022

HOMENS NOVOS

 



"Por isso, Bouvard e Pécuchet não é a história de dois pobres mentecaptos que tentam apoderar-se do Saber e que se vão atolando cada vez mais em areias movediças. É antes a única e inevitável Odisseia moderna, o itinerário enervante que cada «homem novo» é obrigado a percorrer, tanto na época de Flaubert como nos nossos dias. O Saber triunfa mal a Sapiência desaparece - e até o Gosto, que era o último, e o mais discreto e volátil, dos seus herdeiros. Sem iniciação, qualquer indivíduo se vê,  perante o Saber,  na mesma posição que Bouvard e Pécuchet. E, como eles, os «homens novos» são seres perfeitamente informes, ardósias não escritas (como pretendiam os filósofos, para poderem ser eles a escrever), corpos elásticos e vazios, privados de raízes, mas muito mais acicatados pela infernal boa vontade de criar o que não é possível criar e que só se pode ter de antemão: raízes. Agarram-se ao Saber, a cada simples ramo da grande árvore do Saber, para se esconderem entre a sua folhagem e aí deixarem que a terra os alimente. Mas todos os ramos se quebram. O seu nada é sempre demasiado pesado."


Roberto Calasso, Os quarenta e nove degraus, trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo, Lisboa: Cotovia, 1998, p. 97.

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