"Só se conhece um lugar depois de o ter experimentado em todas as dimensões possíveis. Para desfrutar de uma praça temos de ter entrado nela a partir dos quatro pontos cardeais, abandonando-a também em cada uma dessas quatro direcções. De outro modo ela salta-nos ao caminho três ou quatro vezes de forma totalmente inesperada antes de nos termos decidido a dar com ela. Numa fase posterior procuramo-la e usamo-la como ponto de orientação. O mesmo se passa com as casas. O que nelas se esconde só o percebemos quando passamos por outras em busca de uma casa muito particular. Dos arcos dos portais, das ombreiras da porta de entrada, em letras negras, azuis, amarelas e vermelhas de vários tamanhos, salta como uma seta a imagem de botas ou roupa acabada de passar, e em forma de degrau gasto ou de lanço sólido de escadas toda uma vida de luta ensimesmada e muda. Também é preciso ter atravessado as ruas no carro eléctrico para perceber como esta luta se continua pelos andares, para chegar ao seu último e definitivo estádio nos telhados."
Walter Benjamin, Diários de Viagem, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2022, p. 106.
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