Thursday, November 17, 2022

NATUREZA-CONCEITO


 "Mas nos confins da cidade, onde ouvi dizer que começa a natureza, ela própria não está lá, e sim a natureza-antologia. Suponho que também sobre a natureza muito já tenha sido impresso para que ela possa continuar sendo o que costumava ser. No lugar da natureza difunde-se no arrabalde das cidades a natureza-conceito, o conceito de natureza. Uma mulher que, na orla da floresta, protege a vista com o guarda-chuva trazido para qualquer eventualidade, observando o horizonte, topa com certa mancha que tem a impressão de conhecer de algum quadro e exclama: "Parece uma pintura!". Trata-se de uma subordinação a um conceito rígido, circunscrito e bem definido de natureza como modelo pictórico. Subordinação, aliás, não tão rara; nossa relação com a natureza tornou-se falsa. Pois adquiriu um propósito. A tarefa que lhe cabe é a nossa diversão. Já não existe por si própria. É função de um objetivo. No verão fornece bosques onde podemos cochilar, lagos para remar, campos para nos bronzearmos, poentes para nos encantar, montanhas para o turismo e belezas naturais para atrair excursões de estrangeiros. Reduziu-se às páginas de um Baedeker."

 

Joseph Roth, Berlim, trad. José Marcos Macedo, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 15-16. 

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