"Enfim, ficámos primeiro unidos pelo mesmo tecto, depois pelo coração. Com o pretexto de estudar, inteiramente nos entregávamos ao amor. As lições ofereciam as oportunidades que o amor desejava. Os livros estavam abertos, mas ouvia-se mais palavras de amor que lições de filosofia, mais beijos que explicações, as minhas mãos dirigiam-se mais frequentemente para o seu seio que para os nossos livros. O amor reflectia-se muito mais nos nossos olhos do que a leitura a encaminhá-los para os textos. Para melhor afastar as suspeitas, eu ia ao ponto de lhe bater, pancadas dadas por amor, não pela cólera, pela ternura, não pelo ódio, e mais suaves que todos os bálsamos. Que mais poderei dizer? No nosso ardor, atravessámos todas as fases do amor. Tudo o que a paixão pode imaginar de requintado, o esgotámos. Quanto mais as alegrias eram novas para nós, mais as prolongávamos com delírio; não seria possível sentirmo-nos fatigados."
Pedro Abelardo, "Carta a um amigo, ou narrativa das minhas desventuras", in Cartas de Abelardo e Heloísa, trad. Franco de Sousa, Lisboa: Editorial Estúdios Cor, s. d., p. 25.
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