Saturday, November 25, 2023

LINHA DE AR

 



"Não sei que furor me assalta ao meio-dia.
Despeço-me da minha espessura,
e um vento eleva-se dos meus mais ínfimos trejeitos.

Estremecem os membros finos, ser quase
e apenas uma linha de ar. Todo este bailado
arrebatado mas imperceptível,
todo este pavor acumulado,
como terminará o meu sobressalto?

Que me torço, que me desloco sem sair do lugar,
e os contornos dos objectos esbatem-se diante de mim.

Bato contra a janela, por terra caio, repouso triste
na mesa ocupada por clips, aparas, flores mortas.

Como um vidro, lentamente arrefece
a minha firmeza. Num instante concretizo-me
Depois, pouco a pouco, retorno ao ágil tormento."


Elisabete Marques, Animais de Sangue Frio, 2.ª ed., Lisboa: Língua Morta, 2023, p. 39.

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