"Assim Boaventura considera o Purgatório uma espécie de lugar neutro, um no man's land entre o domínio dos anjos e o dos demónios. Mas situa-o - na perspetiva dessa desigualdade na igualdade, na equidistância, que é uma estrutura lógica fundamental no espírito dos homens na sociedade feudal - do lado do Paraíso, na medida em que, para os dois reinos, como dirá Dante, os condutores de almas são os anjos bons. Opinião que está portanto em contradição com a maioria das visões do além, com o Purgatório de S. Patrick designadamente. O Purgatório instala-se num clima de dramatização das crenças cristãs do século XIII. Esse clima provém sobretudo do conflito entre uma concepção não infernal, se não quase paradisíaca, dominante, pareceu-me, no fim do século XII, apesar do negrume das visões, e aquilo a que Arturo Graf chamou uma «infernização» progressiva do Purgatório no decurso do século. A este respeito, Boaventura é tradicional."
Jacques Le Goff, O Nascimento do Purgatório, trad. Maria Fernanda Gonçalves de Azevedo, 2.ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 298.
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