"Neste momento, os meus pensamentos gelaram. Uma vida singular, ímpar, fora criada em mim, porque a minha vida estava presa a todas as existências que me rodeavam, a todas as sombras que tremeluziam à minha volta. Senti uma profunda e inseparável relação com o mundo, com o movimento de todas as criaturas e com a natureza. Todos os elementos, meus e da natureza, estavam ligados pelos caudais invisíveis de uma qualquer corrente agitada e perturbadora. Nenhum pensamento ou imagem eram para mim antinaturais. Eu compreendia os segredos das antigas pinturas, os mistérios de tratados filosóficos difíceis e a eterna tolice das formas e das normas, porque neste momento eu participava na rotação da Terra e dos planetas, no crescimento das plantas e nas actividades do mundo animal. O passado e o futuro, distante e próximo, partilhavam a minha vida sensível e eram unos comigo."
Sadeq Hedayat. O Mocho Cego, trad. Carimo Mohomed, Silveira: Letras Errantes/E-Primatur, 2020, p. 30.
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