Saturday, September 25, 2021

DOCE MELANCOLIA

 


"Os visitantes do tesouro da nossa Senhora da Oliveira retiraram-se, e Guilherme, daí a pouco, tinha copiado da alma para o papel duas feições fiéis do rosto de Teresa: os olhos e o mais incorpóreo deles - a doce melancolia com que o fitara no momento em que o seu pai lhe concedia habilitações para meste-escola. Depois guardou o desenho e andou pelas igrejas observando os tons das tintas, o colorido, a luz e a sombra das santas pintadas a óleo. Sentia-se menos só. Aquela imagem acompanhava-a como a estrela que vai connosco pela solidão da noite alta. Saía mais a miúdo por essas muralhas de verdura gigante que rodeavam a destemida aviltadora do condestável Duguesclin. Não ouvira até então as liras que rumorejam nas florestas nem a franja de ouro do arrebol se erguia entremostrando-lhe o enigma da felicidade esclarecida por uma pouca de luz difusa dos olhos de uma mulher."


Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, Porto: Book Cover Editora, 2021, p. 16. 

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