"Teresa de Jesus cansava-se de o ver trabalhar, porque nem o entendia nem o admirava. Em geral, e por condescendência, achava tudo bonito; mas pedia-lhe que fosse passear com ela e não estivesse sempre a malucar naquelas coisas.
- A malucar? - murmurava o artista com secreta amargura; e, às vezes, passava-lhe pelo espírito a desconfiança de que a esposa era uma organização rude, com a formosura casual que não passa de um jeito feliz da matéria, alheia de todo às qualidades do espírito. Isto dissaboreava-o e abria-lhe no coração brecha por onde a saudade se ia em busca da sua isenção e pobreza independente de artista obscuro. Depois, uma carícia de Teresa dava-lhe ao coração alegres reações e, por um pouco, o sentimento real de renovados prazeres subjugava as destemperadas aspirações ao tal ideal impalpável, que o reitor de Ronfe não percebia, nem eu."
Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, Porto: Book Cover Editora, 2021, p. 68.
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