Tuesday, May 3, 2022

AREAL

 



"Agora eu digo, Fernando, que naquele dia
O espírito vadiava como vadia uma traça,
Entre as flores para lá do areal imenso;

E que o mínimo rumor do vaivém das ondas
Nas algas marinhas e nas pedras submersas
Não incomodava nem o mais ocioso ouvido. 

Foi então que aquela monstruosa traça
Que ficara imóvel pregada no azul
E no púrpura colorido do mar preguiçoso, 

E dormitara ao longo de litorais ossudos, 
Surda para a conversa que as águas fiavam, 
Se ergueu perlada e buscou o rubro ardente

Salpicada de pólen amarelo - tão rubro
Como a bandeira no cimo do velho café - 
E por ali vadiou toda a estúpida tarde."


Wallace Stevens, Harmónio, trad. Jorge Fazenda Lourenço, Lisboa: Relógio D'Água, 2006. p. 59. 

No comments: