Friday, February 16, 2024

AS TROMBETAS

 



"Senti passar por mim um arrepio e agarrei-me à cadeira, como a procurar encontrar o equilíbrio perdido; parecia que acabavam de destruir à minha volta o princípio da gravidade, e durante um instante vi os povos de todas as nações entrarem em todos os templos e em todas as igrejas, e procurarem todos os cultos, com auxílio de todos os ritos, de todos os cânticos, de incenso e de música, conciliar os favores de Deus inacessível, não pensavam eles, porque a sua grandeza fosse imensa, mas na realidade porque não existia.
Olivier retomou a sua calma. No entanto, as mãos tremiam-lhe um pouco, à semelhança dessas falenas, cujas asas tremem sobre as flores.
- E aqui está, senhor, porque é que o forte oprime o fraco, porque é que as nossas orações ficam sem resposta, porque razão os bons são sacrificados. Eis a origem de todas as guerras e de todas as atrocidades. Cometemos acções que nunca virão a ser nem boas nem más, porque se cometem sob um céu vazio que jamais ouvirá as trombetas do juízo final."



Maurice Sandoz, O Limite, s. trad., Lisboa: Editorial Organizações, 1957, pp. 121-122.

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