"Queres saber? Estas cãs - continuou ela, afastando os cabelos da fronte ainda majestosa e bela - nem sempre pesaram aqui. O que tu és hoje, rica de crenças e de ilusões formosas! O mundo é belo, mas os espinhos rasgam-nos a alma quando não lhes antepomos a circunspeção e a prudência que só trazem os anos. O nosso espírito cega-se muitas vezes à primeira luz. Libamos o néctar sem reparar nas fezes negras e nauseabundas que se congelam no fundo do cálix. Acordas hoje na sociedade, e sabes tu que mistérios assombrosos vão aí? Que juízos se fazem, que reputações se criam?"
Ana Plácido, Luz coada por ferros, Porto: Book Cover Editora, 2023, pp. 20-21.
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