Saturday, August 6, 2022

ÉLITROS E ASAS

 



"Ao humano desprezo bem queria
responder com um rasgo de heroísmo
ou de bem calculada fantasia;
encaminhar algum pedestre implume
perdido nos meandros do destino, 
vencer um monstro em singular combate, 
ou descobrir as máquinas da luz. 
Dava-me já, porém, por satisfeito
se a minha arte fosse acompanhada
por discreto rumor de élitros e asas,
e eu mesmo, amoris causa, recebido
na academia eterna dos insectos.
Nem eu nasci da sua impura raça, 
nem sei de nenhum rito que me faça
ser digno do seu sumo sacerdócio; 
menos feliz do que o mosquito e a traça, 
não sou, por mera herança, dos eleitos;
e por muito que estude e em livros leia
a história todas dos seus reis e magos, 
ao fim do dia volto, magoado, à teia
sem ver o labor recompensado. 
Assim hei-de ficar até ao fim dos dias, 
objecto de temor e fria troça, 
sujeito à condição que não alcanço."


António Franco Alexandre, Aracne, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, pp. 25-26. 

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