"Ao humano desprezo bem queria
responder com um rasgo de heroísmo
ou de bem calculada fantasia;
encaminhar algum pedestre implume
perdido nos meandros do destino,
vencer um monstro em singular combate,
ou descobrir as máquinas da luz.
Dava-me já, porém, por satisfeito
se a minha arte fosse acompanhada
por discreto rumor de élitros e asas,
e eu mesmo, amoris causa, recebido
na academia eterna dos insectos.
Nem eu nasci da sua impura raça,
nem sei de nenhum rito que me faça
ser digno do seu sumo sacerdócio;
menos feliz do que o mosquito e a traça,
não sou, por mera herança, dos eleitos;
e por muito que estude e em livros leia
a história todas dos seus reis e magos,
ao fim do dia volto, magoado, à teia
sem ver o labor recompensado.
Assim hei-de ficar até ao fim dos dias,
objecto de temor e fria troça,
sujeito à condição que não alcanço."
António Franco Alexandre, Aracne, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, pp. 25-26.
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