Tuesday, December 20, 2022

VISÃO INSISTENTE

 



"Eu tenho da vida uma sensação doente, 
desarmonias moles, franjas espinais, 
um rumor absurdo da visão insistente
de aranhas, répteis, moluscos, viscos animais. 

Prendo as minhas impressões a um candeeiro.
A luz agarra-me, flutuo indecisamente
com alterações eléctricas, quebras de corrente, 
e acendo uma vela, respiro fumo, um cheiro

a cera, a mortos, ao nevoeiro de velhos portos.
Ouço, ao longe, o motor de pesados cargueiros
ancorados no rio, instáveis, os mastros tortos, 

e deito-me no sofá, com pulsações; salgueiros, 
plátanos, pálidos abetos à neve, orquídeas, 
a minhas respiração frágil como um busto de Fídias."



Nuno Júdice, Obra Poética (1972-1985). Lisboa: Quetzal Editores, 1991, p. 268. 

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