Tuesday, May 23, 2023

QUIETAÇÃO

 


"Devora-nos uma impaciência insuportável; tudo o que ouvimos nos aflige; as conversas sobre assuntos indiferentes, irritam-nos; se nos tentam alentar com esperanças, revoltamo-nos contra elas; se procuram preparar-nos para um desengano, prevenindo-o, repelimos com energia a ideia dele. O silêncio não nos é mais agradável; as apreensões ganham corpo no meio dele; falam dos pressentimentos do mal. Tentamos sorrir, gela-se-nos o sorriso nos lábios. A quietação é-nos tão intolerante como o movimento. Ansiamos sair da incerteza, e de cada indivíduo que chega, trememos de saber a nova fatal. Vai mais longe o efeito moral deste estado de espírito; chegamos quase a querer mal a todos quantos estão assistindo naquele momento à decisão lenta da sorte. O nosso egoísmo, exacerbado em tais momentos,  irrita-se com a ideia de que os nossos amigos tenham coração para assistir àquilo; e contudo não lhes perdoaríamos se se retirassem. Sensações daqueles esgotam mais vitalidade, em cada instante, do que anos de vida isenta delas."

Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, Porto: Livraria Simões Lopes, 1948, p. 530. 

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