"Quis soltar-se. Palavra
Que a frio me arrebatas e incendeias,
Espírito a correr nas minhas veias,
Sangue em meu cérebro, - sustento
Do que, sem Ti, só fora
Fingir um fingimento!
Quis soltar-se, Palavra,
Rainha toda poderosa, e escrava
Coberta de cadeias!
Quis descerrar-te, aurora!
Sol debaixo de nuvens, quis abrir
Nas frestas dos teus muros
O rasgão de infinito em que brilhasses!
Minha língua e meus lábios são impuros:
Impurificam tudo;
Quase sempre me deixam falar mudo;
Falaram antes que falasses.
Ao vento andam dispersos
Os sons antecipados que soltaram.
Mas se, de longe em longe, o Poeta alcança versos,
É só porque, Verbo impoluto,
Aos minúsculos nossos universos
Quaisquer sinais chegaram
Do teu inacessível Absoluto."
José Régio, Colheita da Tarde, Porto: Brasília Editora, 1984, pp. 115-116.
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