"Sendo eu, mesquinho pecador, em tal estado, ia muito amiúde andar e espaçar per um campo mui fremoso, comprido de muitas ervas e froles de bô odor. Mais nunca se de sobre mi partiom aquelas trevas mui escuras que me cercavom em derredor e dentro em a minha conciência. E acerca daquele campo estava um bosco mui espesso de árvores mui fremosas, em que criavom muitas aves que cantavom mui docemente, como quer que o bosco era escuro com névoa que havia em ele.
E andando eu per aquele campo, ouvindo os doces cantares das aves e mirando as fremosas froles e o mui gracioso odor das ervas e das froles, dizia muitas vezes ao Senhor Deus:
- Senhor, amerceita-te de mi! Quem me livrará destas trevas de morte?
E as aves do bosco me respondiam:
- A graça de Deus per Jesu Cristo te livrará."
Anónimo do século XV, Bosco deleitoso, ed. José Adriano de Freitas Carvalho, Luís de Sá Fardilha, Maria de Lurdes Correia Fernandes, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2022, p. 4.
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