Monday, March 27, 2023

OLHOS

 


"Minha boa janela, abandonada e triste, 
Desbotada do sol, dos ventos e das águas;
Tua velhinha cor somente agora existe, 
Invísível, diluída em misteriosas mágoas.

És um sentido, sim, que, um dia, alvoreceu, 
Na face desta casa, antiga e dolorosa, 
Minha boa janela aberta para o céu, 
Como os olhos azuis de Virgem piedosa.

E, por este sentido, eu vejo a minha aldeia, 
Seus poentes, manhãs, seus verdes arvoredos.
E, nas noites de Outono, a branca lua cheia, 
Que põe um véu de sonho aos áridos rochedos. 

Vejo pobres pedindo e rudes lavradores, 
E os anjos que, a voar, da terra se avizinham...
E os píncaros, azuis e tristes, donde vinham, 
À mesma hora da tarde, a lua e os pastores. 

Desta boa janela, avisto estranhos mundos. 
E ouço cantos de dor, murmúrios e gemidos, 
Ermas vozes de além, silêncios moribundos...
Este ar que se respira é feito de ais perdidos..."



Teixeira de Pascoaes, "Cantos Indecisos", in Londres. Cantos Indecisos. Cânticos, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 41. 

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