Tuesday, July 16, 2024

DUELO

 


"Nós, Karamazov, somos todos assim. O insecto vive em ti, que és um anjo, e desencadeia tempestades. Porque a volúpia é uma tempestade, ou mais do que isso. A beleza é uma coisa terrível e assustadora. Terrível por ser indefinível, e não se pode defini-la porque Deus criou enigmas. Os extremos tocam-se, as contradições vivem a par. Sou pouco instruído, irmão, mas penso muito nestas coisas. Quantos mistérios! Por exemplo, a beleza. Não suporto que um homem comece pelo ideal da Madona e acabe no de Sodoma. Mas muito pior é trazer no coração o ideal de Sodoma e não repudiar o da Madona, sentindo por este o mesmo entusiasmo dos seus anos de inocência. Não, o espírito humano é muito vasto, gostaria de o reduzir. Como entendê-lo? O coração descobre a beleza na própria vergonha, no ideal de Sodoma, que é o da grande maioria. Percebes este mistério? É o duelo do Demónio e de Deus, sendo o coração humano o campo de batalha... Mas entremos no assunto."


Fedor Dostoievski, Os irmãos Karamazov, vol. I, trad. Maria Franco rev. M. J. Meco, Lisboa: Círculo de Leitores, s.d., p. 119. 

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