Saturday, July 6, 2024

MORITUROS

 


"Eternidade:
os morituros te saúdam.

Valeu a pena farejar-te
na traça dos livros
e nos chamados instantes inesquecíveis.

Agónico
Em êxtase
em pânico
em paz
o mundo-de-cada-um dilata-se até às lindes
do acabamento perfeito.
Eternidade:
existe a palavra,
deixa-se possuir, na treva tensa.

Incomunicável
o que deciframos de ti
e nem a nós mesmos confessamos.

Teu sorriso não era de fraude.
Não cintilas como é costume dos astros.
Não és responsável pelo que bordam em tua corola
os passageiros da presiganga.

Eternidade,
os morituros te beijaram."


Carlos Drummond de Andrade, 65 Anos de Poesia, 2.ª ed., org. Arnaldo Saraiva, Lisboa: Edições «O Jornal», 1989, p. 188.

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