"Disponho sobre a mesa os objectos. Eles sonham
uma fronte, cantam a voz que os nomeia:
frutos, água, o sal cujo fulgor é semelhante
a uma estrela. Agora é o silêncio convocado
para estas raridades: um traço de luz, uma corrente
soprada sobre o mundo. A mesa assenta
quatro colunas de freixo sobre a terra e as maravilhas
vêm ao meu rosto, sonho aqueles ritmos
talhados, aqueles nomes transformados
num assombro. E a ordem alastra sobre a mesa
como uma fragrância, um alimento.
Há uma força que não desliga a voz,
os elementos, esses objectos que me purificam.
E verto agora o vinho e distribuo o pão
segundo as direcções: esta é uma casa
onde vou dormir e acordar, é uma estância
junto dos segredos. Os números invadem
a tranquilidade com a sua permanência
tranquila. Os olhos pousam. As mãos
não fendem o ar. Porque o mundo está disposto
como uma palavra sagrada."
Carlos Poças Falcão, "Rotações", in Arte Nenhuma, Língua Morta/Livraria Snob, 2020, p. 156.
No comments:
Post a Comment