"Nem o vestido mais leve
substitui a frescura da madrugada.
O fogo cresceu à nossa volta,
e a macieira não lhe resistiu.
A casa manteve-se alta por dentro das flamas.
Os cães aflitos uivaram as primeiras noites.
E recordo: estranhos em casa,
rodeados por labaredas e desastres.
Mas serve-me o vestido
para lembrar a brisa, os lugares.
Teremos de reaprender a plantar,
a reanimar a paixão pelos vales,
a chamar de novo para cá os tordos.
Não se possui a terra. Habita-se nela.
Repara, dou-te sementes para recomeçar.
Esta é a força de um mundo vivo."
Elisabete Marques, Estranhos em Casa, Lisboa: Língua Morta, 2022, p. 58.
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