"No outro dia, uns montanheses das Ravinas Negras, que levavam um doente à capital, vieram pedir alojamento. De madrugada, quando os irlandeses desceram para tomar o pequeno-almoço, o infeliz ainda lá estava, jazendo num catre. O seu rosto parecia uma máscara. Quando perguntaram o que é que ele tinha, Martin, procurando sossegá-los, respondeu-lhes que não se tratava de nenhuma doença contagiosa.
- Receamos que lhe tenham emparedado a sombra - explicou. - Se for verdade, não servirá de nada levá-lo à capital. Não se vai safar.
- Mas que raio de doença é essa? - perguntou Max. - O que quer isso dizer, «emparedar a sombra»?
Martin tentou explicar-lhe. Era um mal ao qual não se podia sobreviver. Aquela vítima era um pedreiro e, ao que parecia, durante a edificação de uma kulla um dos seus companheiros, de propósito ou não, tinha-lhe emparedado a sombra, por outras palavras, tinha coberto de pedras e argamassa a sombra do homem que então se projectava na parede que estavam a construir. De uma maneira geral, os montanheses pedreiros fogem como o Diabo da cruz do emparedamento da sua sombra, pois toda a gente sabe que quem ficar com a sombra emparedada fica prisioneiro da parede e votado a uma morte certa. Mas o montanhês em questão, segundo o que se dizia, era novato no trabalho, faltava-lhe experiência."
Ismail Kadaré, O Dossier H, trad. Carmen de Carvalho (segundo a versão francesa), Lisboa: Difusão Cultural, 1991, pp. 120-121.
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