"Os meus mortos deram-me versos, assombros- um rio
acampado na memória.
(Os pássaros tomam o ar do seu canto - vento,
vento espantado.)
E se troveja,
cobrem-se de colchas e de toalhas os espelhos
da casa;
colocam-se três montículos de cinza fresca
nos cantos interiores das portas,
e um fio de sorte, em sal grosso, ao longo do peitoril
das janelas voltadas a nascente - que se fecham,
flor do mato,
sem luz eléctrica nem água canalizada;
sem pára-raios.
Sem pára-raios,
desmembram os relâmpagos, faísca
sobre faísca,
as árvores antigas da terra - que rodeiam,
estremecem - amuleto e feitiço,
como se Deus se soletrasse
na pedra inaugural do meu rosto."
Zetho Cunha Gonçalves, Noite Vertical. Poemas reunidos (1979-2021), Lisboa: Maldoror, 2021, p. 101.
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