"Gostaria de começar com uma pergunta
ou então com o simples facto
das rosas que daqui se vêem
entrarem no poema.
O que é então o poema?
Um tecido de orifícios por onde entra o corpo
sentado à mesa e o modo
como as rosas me espreitam da janela?
Lá fora um jardineiro trabalha,
uma criança corre, uma gota de orvalho
acaba de evaporar-se e a humidade do ar
não entra no poema.
Amanhã estará murcha aquela rosa:
poderá escolher o epitáfio, a mão que a sepulte,
e depois entrar num canteiro do poema,
enquanto um botão abre em verso livre
lá fora onde pulsa o rumor do dia.
O que são as rosas dentro e fora
do poema? Onde estou eu no verso em que
a criança se atira ao chão cansada de correr?
E são horas do almoço do jardineiro!
Como se fosse indiferente a gota de orvalho
ter ou não entrado no poema!"
Rosa Alice Branco, Da Alma e dos Espíritos Animais, Porto: Campo das Letras, 2001, pp. 42-43.
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