Tuesday, March 22, 2022

ASSOLADORA

 



"Viu o oceano de luz que atulhava as intermináveis fiadas de ruas com um brilho prateado e reluzente. Viu o vão faiscar os reclames de luz, que se esbanjavam num êxtase de claridade inesgotável. Viu torres que se erguiam, como que erigidas de quadrados de luz, e sentiu-se prostrado, esmagado até à fraqueza por este enlevo de luzes, sentiu como este oceano cintilante, com centenas de milhares de ondas salpicadas o capturava, lhe tirava o fôlego, o invadia, o asfixiava...
E percebeu, então, que esta cidade das máquinas, esta cidade da sobriedade, esta fanática do trabalho, à noite, procurava o contrapeso homólogo à agitação do dia de trabalho. Que esta cidade, nas suas noites, se perdia frenética, insensatamente fora de si na embriaguez do deleite, tanto se lançava às alturas como descia às profundezas, era incomensuravelmente venturosa e incomensuravelmente assoladora."


Thea Von Harbou, Metrópolis, trad. Vanda Gomes, Silveira: Livro B/Letras Errantes, 2021, pp. 68-69. 

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