Sunday, August 13, 2023

METÁFORA

 


"Era uma patetice que uma mercearia pudesse deprimir alguém - não se passa nada lá dentro além de afazeres domésticos corriqueiros. Há  mulheres que lá vão comprar feijões, crianças que andam sentadas naqueles carrinhos de compras, pessoas que regateiam o preço de mais quilo, menos quilo de abóbora. E o que ganhava essa gente com isso? Miss Willerton ponderou o assunto. Onde é que havia ali hipótese de expressão individual, de criatividade, de arte? Em toda a sua volta passava-se a mesma coisa - passeios repletos de pessoas a correrem de um lado para o outro, cheias de pressa, com as mãos cheias de pequenas embalagens, como aquela senhora que ali estava com um menino pela trela, a puxar por ele, a dar-lhe esticões, a arrancá-lo de uma montra onde se via uma abóbora iluminada do Dia das Bruxas; provavelmente passaria o resto da vida a puxar e a esticar o rapazinho. E a outra que estava além, a despejar o conteúdo de um saco no chão, ainda outra a assoar o nariz do seu menino, ao cimo da rua uma velhota que trazia três netos a saltitarem em seu redor, e atrás dela um casal que caminhava demasiado juntinho para os critérios do bom requinte."


Flannery O'Connor, "A Colheita", in O Gerânio - contos dispersos, trad. Luís Coimbra, Lisboa: Cavalo de Ferro Editores, 2010, p. 68. 

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