"Ninguém sabe como recuava a luz,
que ângulo derramava nas pupilas, nem a terra conhecia
a dor súbita da perfuração.
A lua não tinha pegadas na cara,
nem o crepúsculo
cuspia sangue ao respirar.
O poeta interrogava a caveira
e apodrecia em paz.
Agora pensamentos densos viajavam
sob lajes e solas, uma métrica de milhas
soterra ervas e tendões. Agora
amamos falsa carne de coral.
Inflama a língua o próprio ar,
e que faríamos, sem lasca
que ignifique o espírito,
sem o teatrinho
de sombras da identidade?
Dormem as borras da noite nos sulcos
que lhe oferece um rosto, os interstícios da cidade.
O céu exausto e compassivo
mostra a sua pele
onde um dedo mais humano pousa
uma carícia, o assomo
negro de uma constelação."
Andreia C. Faria, Alegria Para o Fim do Mundo, Porto: Porto Editora, 2019, pp. 142-143.
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