Monday, January 16, 2023

QUEBRAR O MUNDO

 


"E morrer, sem dúvida, essa é a nossa preocupação. Mas porquê? É que nós que morremos, deixamos justamente tanto o mundo como a morte. É este o paradoxo da hora derradeira. A morte trabalha connosco no mundo; poder que humaniza a natureza, que eleva a existência ao ser, está em nós como a nossa parte mais humana; só é morte no mundo, o homem só a conhece porque é homem, e só é homem porque é morte em devir. Mas morrer é quebrar o mundo; é perder o homem, aniquilar o ser; é também, portanto, perder a morte, perder o que nela e por mim fazia dela a morte. Enquanto vivo, sou um homem mortal, mas quando morro, deixando de ser um homem, deixo também de ser mortal, não sou mais capaz de morrer, e a morte que se anuncia horroriza-me porque a vejo tal como é: não mais morte, mas impossibilidade de morrer."

Maurice Blanchot, A Literatura e o Direito à Morte, trad. Sara Soares Belo, Sr. Teste Edições, 2021, p. 76.

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