Tuesday, April 22, 2025

VIDA ALDEÃ

 



"Depois que desta aldeia no retiro
A vide podo, enxerto o catapreiro,
Cultivo o meu casal, e do ribeiro
Eu mesmo as águas para o campo tiro;

Depois de a recolher somente aspiro
Do meu trabalho o fruto verdadeiro, 
Outros bens não pretendo, e deste outeiro
Ao mundo enganador as costas viro.

Procure-os quem quiser e diligente
Para os lograr o mercador ousado
Travesse o mar e outras nações frequente;

Às cortes passe; e em tudo afortunado
Títulos compre ilustres; que eu contente
Sem eles vivo aqui, mas sossegado."


Paulino António Cabral, Poesias, coligidas, prefaciadas e anotadas por Mário Gonçalves Viana, Porto: Livraria Figueirinhas, 1944, pp. 152-153. 

Monday, April 21, 2025

GUARDAR A FÉ (Para a memória do Papa Francisco)

 



"105. Ele é o Alfa e o Ómega,
Ele é o princípio e o fim,
princípio inenarrável e fim incompreensível.
Ele é o Cristo.
Ele é o Rei. 
Ele é Jesus.
Ele é o comandante, 
Ele é o Senhor,
aquele que ressuscitou dos mortos, 
aquele que está sentado à direita do Pai, 
aquele que nos trouxe o Pai e nos leva ao Pai.
A Ele a glória e o poder pelos séculos. Ámen."


Melitão de Sardes, Sobre a Páscoa (Perì Pascha), trad. Isidro Pereira Lamelas, Prior Velho: Edições Paulinas, 2021, p. 67. 

COMPASSO


 

"Não foi só Cristo que ressuscitou. Cantando, ressuscitamos todos, todos juntos."


Raul de Carvalho, "Aleluia dos Camponeses", in Realidade Branca, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, p. 181. 
 

Sunday, April 20, 2025

PÁSCOA


 
"103. Vinde, pois, todas as famílias humanas, 
todos vós, imersos nos pecados;
e recebei a remissão dos pecados.
Porque Eu sou a vossa remissão, 
     Eu sou a Páscoa da vossa salvação, 
     Eu sou o cordeiro imolado por vós,
     Eu sou o vosso resgate, 
     Eu sou a vossa vida, 
     Eu sou a vossa ressurreição,
     Eu sou a vossa luz,
     Eu sou a vossa salvação, 
     Eu sou o vosso Rei, 
Sou Eu que vos conduzo às alturas dos céus;
sou Eu que vos ressuscitarei;
sou Eu que vos mostrarei o Pai eterno.
Sou Eu que vos ressuscitarei com a minha [mão] direita."


Melitão de Sardes, Sobre a Páscoa (Perì Pascha), trad. Isidro Pereira Lamelas, Prior Velho: Edições Paulinas, 2021, p. 66. 

Saturday, April 19, 2025

UMA ÁRVORE E O SOL

 



"Árvore minha amiga, abençoada
Alminha vegetal, com que ternura,
Abres o brando seio à luz sagrada,
Que, como um vento místico, murmura.

Logo te viste mãe: e, para a Altura, 
Ergueste as mãos, alegre e alvoroçada;
E lembravas assim a Virgem Pura, 
Ao sentir-se do Espírito pejada.

E o teu corpo, todo ele, era uma flor, 
E perfumes de idílio e casto amor,
O céu azul doirado embriagavam...

Mas, na sua quimérica alegria, 
Essa árvore feliz nem sequer via
A sombra, que seus ramos projectavam..."


Teixeira de Pascoaes, As Sombras, Lisboa: Assírio & Alvim, 1996, p. 78. 

Friday, April 18, 2025

TUDO

 






"8. De facto, como Filho, foi gerado,
como cordeiro, levado ao sacrifício,
como ovelha, imolado,
como homem, sepultado,
mas ressuscitou dos mortos como Deus,
sendo por natureza Deus e homem.


9. Ele que é tudo:
Lei, enquanto julga,
Logos, enquanto ensina,
graça, enquanto salva,
Pai, enquanto gera,
Filho, enquanto é gerado,
ovelha, enquanto padece,
homem, enquanto sepultado,
Deus, quando ressuscita."


Melitão de Sardes, Sobre a Páscoa (Perì Pascha), trad. Isidro Pereira Lamelas, Prior Velho: Edições Paulinas, 2021, p. 35.

PAIXÃO

 



"Chorar um homem!...
Ó suavíssima consolação das lágrimas! quem pudera merecer-te, à custa destas últimas agonias da vida!
Chorar um homem.... é delir no pranto espinhos, que o frenesi da desesperação não desencrava da alma!
Felizes são os que choram!... Experimentaste, ó Cristo, a felicidade das lágrimas! Aconselhaste-as ao género humano, que remias daquela grande dor, que, antes de ti, não podia respirar a atmosfera dum céu em que falaste!
Quiseste, ó Cristo, fazer os homens bons pela compaixão; e conseguiste amaciar o coração da mulher, que lava, com suas lágrimas muitas nódoas, degradantes ao género humano, indigno de ti, ó anjo da cruz e do resgate!
Ensinaste a sofrer e a chorar, filho da mais atribulada das mulheres! Há dezoito séculos que choraste; e a geração, que passa, vai deste horto de aflição e prece a buscar-te no mundo dos espíritos com as vivas reminiscências das tuas lágrimas!
A parte do mundo, que te adora, tem razão para adorar-te; porque foste tu quem pregou o sermão da montanha.
Foste tu, ó Nazareno, quem limpou na face da samaritana o escarro da afronta, e restaurou a dignidade perdida de Madalena!
A ti meus hinos de morte, a ti, mensageiro de Deus, que surgiste no dia das agonias do escravo e disseste: «Felizes os que choram!»"


Camilo Castelo Branco, Um Livro, 7.ª edição, Lisboa: Pareceria António Maria Pereira, 1968, pp. 262-263.

Thursday, April 17, 2025

AGUARDAR


 
"Tomei um pequeno pedaço de pão ázimo e, no tremor de minha mão, estava a piedade de Judas, a quem entreguei, como era o costume, pois junto de mim ficava. E naquele momento em que Judas recebeu a clara mensagem vinda juntamente como pão que lhe oferecia, desejei vê-lo como quando o escolhi, limpo e puro, a renegar o seu intento. Aguardei que ele vertesse uma lágrima, afastasse de si o prato e até mesmo se pusesse de joelhos. Pedro não se havia humilhado e à frente de todos, não respondera à minha severidade com a doçura da sua entrega? Corriam os instantes, mas ainda havia tempo para que Judas não se vestisse como traidor e mostrasse a iluminação que poderia vir de dentro dele, se a desejasse."



Dinah Silveira de Queiroz, Memorial do Cristo, Lisboa-Porto: Centro do Livro Brasileiro, 1983, ppp. 442-443.

Wednesday, April 16, 2025

LÍRICA DE PARDILHÓ

 




"Então acordo e sinto a meu lado
o esplendor tranquilo
da amada que respira
adormecida deitada sobre o flanco
vertendo a prata dum sorriso

nas ravinas da noite

esferas cantam a alegria
é um sítio de grama rociada

e passam horas
durante as que da rua
ouvindo vozes turvas
eu ficarei teimando
na claridade a todo o preço

de que me falam as aves."



Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular, 3.ª ed., Porto: Edições Asa, 1997, pp. 133-134.

Tuesday, April 15, 2025

FULGURAÇÃO DO OLHAR

 



"Olhar a obra plena e o olho que a vê
procurar o lugar inocupável
nem centro nem espaço circundante
só uma incisão
extenuada de cor até ao branco
que na sombra dessa hora
desvanece em pequenos nadas
poeira que o nosso olhar desmente

agitam-se, têm as temperaturas do sangue
a certeza das estações no seio da mudança
mas o rosto deslumbra-se no movimento feito
levantamos as pesadas pedras que pousam no silêncio
aguardamos factos, a fulguração
hábil condensada cheia
talvez a forma imensa
sublime e deus

o olhar desperta convida acontece
e onde se esquiva as pálidas coisas adormecem
sem a perfeição a alegria do olhar
sem salvação."


Rosa Alice Branco, "Monadologia Breve", Soletrar o Dia - Obra Poética, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2002 p. 183.

FRUTO DA CRUZ

 


"Por isso é régia, porque é celeste; e é palmiforme, porque alcançou a vitória. Ora eu não estou a falar dos frutos da palmeira, vós conhecei-los bem. Destilam mel, o seu sabor é doce, o seu aspeto é carnudo. E, na verdade, porque o que aqui se trata é do fruto da cruz, este cura as feridas, suaviza os unguentos, alimenta o estômago, restabelece os enfermos, conhece os desertos do Oriente e vive ali, onde o Salvador sofreu a paixão."


Potâmio de Lisboa, «Acerca da Substância», Escritos, tradução de José António Gonçalves e de Isidro Pereira Lamelas, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2020, p. 139. 

Monday, April 14, 2025

VOZES MISTERIOSAS

 


"Se o zeloso clero das cercanias do Bom Jesus vertesse à letra o tout est plein d'âmes, e o livro, que tal afirma, não escapasse ao Index do sacro colégio, veríamos as florestas mansíssimas da montanha invadidas por exorcistas e pelo machado, modos sabidos de afugentar almas das árvores. O grande poeta queria dizer que as árvores têm vozes misteriosas, e os corações audição interior que as escuta, e o entendimento lucidez que as compreende. Não me parece que ele quisesse denunciar à liturgia demonográfica legiões de almas penadas, daninhas à silvicultura. Deixemos dizer o poeta o que nós ignoramos, e deixemos também que as formosas romeiras do Bom Jesus se entendam com os espíritos da soledade, vestido das matizes da iriada borboleta, ou coruscantes na flor orvalhada com que brincam os primeiros raios de sol."


Camilo Castelo Branco, No Bom Jesus do Monte, 4ª ed., Porto: Livraria Chardron/Lello, s.d., pp. 5-6. 

Sunday, April 13, 2025

TRAUMATA

 


"O homem barroco é um ser em crise, amedrontado, que se debate entre 2 polos contrapostos. E o jogo que vai empreender, através da arte, é fruto deste traumatismo, dessa angústia cósmica, que se traduz no uso das metáforas, do claro-escuro, no dinamismo escultórico e arquitectónico."


Mónica F. Massara, Santuário do Bom Jesus do Monte - Fenómeno Tardo Barroco em Portugal, Braga: Confraria do Bom Jesus do Monte, 1988, p. 13. 

RAMOS

 


"Dizer que eu amo gente de quem nem sei o nome, nem é preciso; que amo estas ruas estreitas cariciosamente recolhidas ao sol, um sol camarada; que amo este rio com barcos verdadeiramente azuis, tão azuis como o mar, tão azuis que se confundem; dizer que amo esta palavra anónima que corre de boca em boca dizendo que é Primavera..."

Raul de Carvalho, "Parágrafos", in Realidade Branca, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, p. 108. 

Saturday, April 12, 2025

TERREIRO

 


" - E a floresta? a linda floresta que cobre as capelinhas aliás menos interessantes do que as árvores e as fontes?
- Então são pouco interessantes as capelas? interrogou Assunção.
- Oh! minha senhora, com licença do padre-capelão direi que elas demonstram o atraso intelectual dos portugueses, não só pela hediondez artística dos judeus de barro, mas também porque visitantes crassamente fanáticos os mutilam a golpes de varapau. Em todo o caso não devem ir embora sem descer pelo interior da floresta.
- As senhoras e o Jaime, explicou o cónego, já disso faziam a tenção. Eu é que entrarei cá em cima na caleça, para os ir esperar no pórtico.
-Mas agora, tornou João Borges, quando vieram para a Mãe d'água, não viram o encantador panorama que se desenrola ao norte do terreiro dos Evangelistas?
- Só de passagem, respondeu Jaime.
- Ah! então, convida estas senhoras a acompanhar-te e vai vê-lo bem. São apenas algumas passadas. Vale a pena. Mas devem levar um cicerone que lhes designe as serras, as aldeias, todos os acidentes da paisagem."



Alberto Pimentel, O Arco de Vandoma, 2.ª edição, Lisboa: Parceria A. M. Pereira, Lda., 1972, p. 334.

FALAR

 




"Acharam-se então em plena floresta. Apenas ali falavam as aves e as fontes. No ar fino e puro respirava-se um subtil olor campestre. A quietação, a paz da natureza alastrava profunda e suavíssima.
Encantado, João Borges censurava-se por nunca ter ainda visitado o Minho e parava algumas vezes observando a paisagem pelas clareiras do arvoredo.
Mas a consciência do dever sobrepôs-se a todas as suas gratas impressões de touriste: era preciso, quanto antes, proporcionar algum descanso a Francisco Eduardo."


Alberto Pimentel, O Arco de Vandoma, 2.ª edição, Lisboa: Parceria A. M. Pereira, Lda., 1972, p. 308.

Friday, April 11, 2025

DA PINTURA

 




"Assim parecia que acabava Lactâncio, quando a senhora Marquesa prosseguiu, dizendo:
- Nem quem será o virtuoso e o quieto (se de santidade a menosprezar) que não faça muita reverência e adore as espirituais contemplações e devotas da santa pintura? Tempo mais asinha creio que minguasse que matéria nem louvores desta virtude. Ela ao melancólico provoca alegria; ó contente e ó alterado ao conhecimento da miséria humana; ao desaustinado move-o à compunção; o mundano à penitência; o não contemplativo à contemplação e medo e vergonha. Ela nos mostra a morte e o que somos, mais suavemente que doutra maneira; ela os tormentos e perigos dos Infernos; ela, quanto é possível, nos representa a glória e paz dos bem-aventurados, e aquela incompreensível imagem do Senhor Deus. Representa-nos a modéstia dos seus santos, a constância dos mártires, a pureza das virgens, a formosura dos anjos e o amor e caridade em que ardem os serafins, melhor mostrado que de nenhuma outra maneira, e nos enleva e profunda o espírito e a mente além das estrelas, a imaginar o império que lá vai."


Francisco de Holanda, Diálogos de Roma, I, Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1955, pp. 27-28.

Thursday, April 10, 2025

ANIVERSÁRIO

 




"Desculpa ter erguido a voz. é que o alto está mais próximo do visível e eu precisava que tivesse ficado muito claro isto que acabei de te dizer. Que te encontrei no meio do caminho, e depois segui o desvio."

 

Daniel Faria, Sétimo Dia, 1:15., Lisboa: Assírio & Alvim, 2021, p. 47. 

Wednesday, April 9, 2025

E A HISTÓRIA É FEITA (para a memória de Fernando J. B. Martinho)

 



"O homem luta e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.

Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender.

Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama
A sombra eterna."



Fernando Pessoa, "D. João o Primeiro", Mensagem19.ª ed., Lisboa: Ática, 1997, p. 34. 

Tuesday, April 8, 2025

VOO

 


"Antes de entrar no Templo, minha mãe viu Simeão agitado e feliz e de encontro ao céu, como um grande pássaro que houvesse descoberto o melhor grão.
- «O que ele me dissera de mau, a espada atravessando minha alma, era esquecido logo pela alegria Com que nos saudou. Acho que ele voava para a morte, como o grande pássaro feliz que me pareceu ser, tendo tido em nosso encontro a esperança do pouso, depois da agitação."

Dinah Silveira de Queiroz, Memorial do Cristo, Lisboa-Porto: Centro do Livro Brasileiro, 1983, p. 55. 

Monday, April 7, 2025

VENERANDO ESPAÇO

 



"O mundo abria santo
a órbita por que ia
iluminar o espanto
onde desenvolvia

o ímpeto do impacto
que o estrondo arredondara
para que fosse facto
mas, sobretudo, para

que o desenvolvimento
do estrondo fosse entrando,
não só em pensamento, 

mas, mais, em venerando
espaço que, infinito,
deduz a paz do mito."


Fernando Echevarría, Geórgicas, Porto: Afrontamento, 1998, p. 211. 

Friday, April 4, 2025

A VOCAÇÃO HIEROGLÍFICA

 




"A paisagem sobe a um altar
A paisagem desce
(sobe ou desce?)

Árvore é o poço do real
Árvore é o vértice
(poço ou vértice?)

Depois... Sim
depois de qualquer coisa...
há a fé e há a chave
há o barco e há o porto

É só abrir a fogo
o cadeado
e descobrir que nada
existe morto"



João Rui de Sousa, «Meditação em Samos», in O fogo repartido - poesia (1960-1980), Litexa, s. d., p. 122.

Thursday, April 3, 2025

CHARITAS

 


 

"Enfim, como fizera Boaventura, o Compendium declara que os laicos não podem fazer os mortos beneficiar de sufrágios senão pela realização de boas obras. Os beneficiários de indulgências não podem transferi-las nem para os vivos nem para os mortos. Em compensação, o Papa e só ele pode dispensar aos defuntos, ao mesmo tempo, indulgências por autoridade e o sufrágio das boas obras por amor (charitas). Assim a monarquia pontifical estende para fora o domínio do mundo cá em baixo o seu poder sobre o além: passa a enviar - por canonização - santos para o Paraíso e a subtrair almas para o Purgatório."


Jacques Le Goff, O Nascimento do Purgatório, trad. Maria Fernanda Gonçalves de Azevedo, 2.ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 312. 

Tuesday, April 1, 2025

NÃO É IMPUNEMENTE

 



"Vento de nenhuma ordem
levai-me onde é costume ir
quem tem mais para perder
do que para possuir.

Que na própria confusão
das coisas desirmanadas
se encontra a terra e o chão
das almas desencontradas.

Ah, este relógio
que, imperturbavelmente,
me deixa para trás
e segue para diante...

Solicitamente
me navego e exalto.
Tudo o que no homem
é sagrado e eterno
se ergue para o alto."


Raul de Carvalho, "Versos - Poesia II", in Realidade Branca, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, pp. 139-140.

Monday, March 31, 2025

ESSA ESPÉCIE DE INFINITO

 




"Tinha a forma solene e resumida
de um minuto de vida.
Por isso sua graça e seu começo
foi terminar um verso.

Num verso... essa espécie de infinito,
Que é lágrima e é luz, que é sombra e grito!

Que é a força que Deus nos deu
para fazer da terra o céu..."


Raul de Carvalho, "Versos - Poesia II", in Realidade Branca, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, p. 123.

Sunday, March 30, 2025

PASSAGEIRAS E CONTINUADORAS




" - Deus lembrou-se de mim: deu-me olhos para ver, ouvidos para ouvir, carne e coração para sentir, sentidos cegos para adivinhar que a terra não morreu, que é para nós que ela teve guardadas, no bjo da terra, o seu macio e quentinho bojo, todas estas coisas leves, e doces, e cheias de suavidade, e mais doces que o açúcar, e mais maravilhosas do que todas as coisas que havia dantes, antes da Primavera. Oh! ricas e belas coisas!, coisas passageiras e continuadoras."


Raul de Carvalho, "Parágrafos", in Realidade Branca, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, p. 108. 

AS COISAS NÍTIDAS

 



"'Squeço as coisas nítidas, gosto de fumo
que venha de flor's britadas, quase milho.
As seitas em fuga é o álcool que consumo,
montanhas em obras são sempre o meu trilho.

Prefiro ver corpos cingidos de greda
que bebam quimeras. Vivo com duendes:
não mastigo nafta. E as minhas poucas sedas?
São maçãs de sombra que tu não entendes.

Ao 'spelho a ternura move-se a dedadas
dormitando em becos de bílis e fel,
onde apenas vê punhais e marradas.

Ser nu é o meu casto e sórdido papel:
vou de boca em boca a mendigar dentadas
- e queimo as abelhas que qu'riam ser mel."


Fernando Grade, A minha pátria é o sábado - sonetos, Lisboa: Edições Mic, 1989, pp. 33-34.

INFERNIZAÇÃO

 


"Assim Boaventura considera o Purgatório uma espécie de lugar neutro, um no man's land entre o domínio dos anjos e o dos demónios. Mas situa-o - na perspetiva dessa desigualdade na igualdade, na equidistância, que é uma estrutura lógica fundamental no espírito dos homens na sociedade feudal - do lado do Paraíso, na medida em que, para os dois reinos, como dirá Dante, os condutores de almas são os anjos bons. Opinião que está portanto em contradição com a maioria das visões do além, com o Purgatório de S. Patrick designadamente. O Purgatório instala-se num clima de dramatização das crenças cristãs do século XIII. Esse clima provém sobretudo do conflito entre uma concepção não infernal, se não quase paradisíaca, dominante, pareceu-me, no fim do século XII, apesar do negrume das visões, e aquilo a que Arturo Graf chamou uma «infernização» progressiva do Purgatório no decurso do século. A este respeito, Boaventura é tradicional."


Jacques Le Goff, O Nascimento do Purgatório, trad. Maria Fernanda Gonçalves de Azevedo, 2.ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 298. 

Saturday, March 29, 2025

CONFIANÇA

 



"47. Ambos veem tudo o que enxergarem. Ambos depressa se apercebem de qualquer coisa boa ou má. Os olhos e a respetiva visão contemplam as flores que nascem ao longo do ano, as dádivas do sol, os frutos próprios de cada estação e os sinais dos astros. Toda a confiança do homem está naquilo que examina com os olhos."


Potâmio de Lisboa, «Acerca da Substância», Escritos, tradução de José António Gonçalves e de Isidro Pereira Lamelas, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2020, p. 147. 

Friday, March 28, 2025

A BAIXO

 




" - Mas como sabe se as coisas vão bem ou mal?

- A gente diz o responso. Se o pensamento se perde, a coisa está perdida... Sabe como é que o pensamento se perde? Olhe que eu já ouvi isto a um padre, do púlpito a baixo: uma vez ia um rapaz por um caminho fora, de barrete na mão, a rezar. Cristo encontrou-o e disse-lhe: «Se fores capaz de dizer o pai-nosso sem te enganares, dou-te esta mula.» Isto, no tempo em que Nosso Senhor andava pelo mundo. O rapaz ajoelhou: «Pai Nosso que estais no céu, santi... dá-me também os arreios, ou só a mula?» É a mesma coisa: se a gente se lembrar dos arreios...

- Esse modo de rezar é pecaminoso.

- Não sabia.

- Vai prometer que nunca mais adivinha nada a ninguém.

- Então adeus.

- Adeus e desculpe. Mas eu tinha de aliviar a consciência.

- Fez muito bem. Cumpriu o seu dever de boa cristã."



Bento da Cruz, Filhas de Loth, Círculo de Leitores, 1993, pp. 126-127.

Thursday, March 27, 2025

CICLO

 



"A Primavera é boa para as folhas dos bosques e das árvores.
Na Primavera, as terras intumescem e reclamam as fecundas sementes.
Então, o Éter, pai omnipotente, em forma de chuvas fecundadoras
desce para o interior do regaço da sua fértil esposa, e, grande, 
unido a este grande corpo, alimenta todas as plantas jovens.
Nessa altura, nos matagais impenetráveis ressoam as aves canoras
e em dias certos os rebanhos reclamam os dons de Vénus."


Vergílio, Geórgicas, II, 323-329, trad. Gabriel A. F. Silva, Lisboa: Cotovia, 2019, p. 61. 

DIFERENÇA

 


"- É verdade, o mar é uma planície em movimento.

- E no entanto, o deserto, que é uma planície, tem, pelo menos para a imaginação, uma conotação totalmente diferente. Além disso, há qualquer coisa na palavra «deserto» que não há na palavra «planície». Bom, eu não tenho direito a falar destas coisas, fui sempre míope, e agora sou cego; mas tenho a impressão de que a planície é a mesma em toda a parte do mundo. Quando estive em Oklahoma pensava que estava na planície de Buenos Aires. E se fosse à estepe, ou à Austrália, ou àquilo a que chamam veld, ou karroo, na África do Sul, talvez sentisse a mesma coisa. Em compensação, dir-se-ia que cada colina é diferente, quase poderíamos dizer, que cada colina é um indivíduo.


- Enquanto a planície é anónima.

- A planície é anónima e difusa, e quando vimos uma, vimo-las todas. E a montanha não, a montanha é diferente."



Osvaldo Ferrari, Em diálogo com Jorge Luís Borges, vol. II, trad. Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Círculo de Leitores, 2001, pp. 218-219.

Tuesday, March 25, 2025

PAISAGENS CONCRETAS

 


" - Como se em vez de tratar de visões se tratasse de paisagens concretas.

- Sim, porque, além disso, as visões são minuciosas. Mas isso podia ser um tema para outro diálogo; talvez o mais importante seja o facto de ele acreditar que a salvação do homem deve ser não só ética como também intelectual. E ele tem uma espécie de parábola em que se refere a um asceta, e esse asceta pretende alcançar a salvação, renuncia a tudo, vive no deserto, morre e, efectivamente, chega ao Céu. Mas quando chega ao Céu fica perdido, porque, segundo Swedenborg, tudo o que existe na Terra, digamos, tudo o que se refere a formas e a cores, tudo isso existe também no Céu, mas de uma forma muito mais intensa e muito mais completa. E, além disso, pode haver até um certo vislumbre da quarta dimensão, pois diz-se que os anjos podem até conversar uns com os outros, mas estão sempre diante de Deus. É estranhíssimo, não é?"

Osvaldo Ferrari, Em diálogo com Jorge Luís Borges, vol. II, trad. Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Círculo de Leitores, 2001, p. 195.

Monday, March 24, 2025

RUGAS

 


"Lua coloca a bacia no estrado, deita-se, enrola os braços ao pescoço da companheira, aninha-se e, em poucos segundos, está a dormir. Zé deriva à flor do sono durante muito tempo, mas acaba por mergulhar. Quando emerge, salta do leito e corre para o exterior. Abre a porta. Os beirais estão franjados de eslactites de caramelo que, de vez em quando, sob o efeito do vento e do peso, se desprendem com um retinir de lustres, e a paisagem é duma brancura estonteante, tudo branco e plano, excepto as rugas das paredes. As serras avolumam-se polidas e, nas encostas, sobressai a mancha escura dos carvalhos, só eles, pois as urzeiras e arbustos de menor porte estão completamente submersos. Gostofrio jaz no vale, bichos e homens retidos na toca pela neve. Belo e frio. Zé fecha a porta e vai para a cozinha."


Bento da Cruz, Filhas de Loth, Círculo de Leitores, 1993, p. 38. 

Sunday, March 23, 2025

AD IMAGINEM ET SIMILITUDINEM NOSTRAM

 




"41 (22). Ora, para que a própria unidade da majestade trina e do seu nome chegasse ao nosso conhecimento, assim o afirma essa mesma majestade invisível: Façamos o Homem à nossa imagem e semelhança. Deste modo ensinou o que devemos acreditar. Imprimiu a sua imagem no rosto do homem e disse: à nossa imagem. O conhecimento do Pai e do Filho apreende-se no rosto do homem, sendo o Pai e o Filho tal qual é a forma do seu rosto impressa no arquétipo humano feito de barro, com o qual somos modelados, para que o homem admirasse Deus a partir do próprio homem."



Potâmio de Lisboa, «Acerca da Substância», Escritos, tradução de José António Gonçalves e de Isidro Pereira Lamelas, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2020, p. 144.

Saturday, March 22, 2025

DA POESIA 2

 



"Não sabemos quais, mas procuramos
o lugar mais distante onde se veja
uma rosa contida, geométrica
do que as mãos se aproximam devagar

como se fosse nela que encontrassem
um equilíbrio único, perfeito
por ser interior. Era a presença
que há-de ficar agora dividida

ao longo das arestas, destas linhas
tocadas pelo vento, desfolhadas,
e assim uma outra rosa, a verdadeira,

sujeita-seao rigor, ao que era mínim
como esta florescência que termina
num espaço abstracto, o seu jardim."


Fernando Guimarães, "Paixão e Geometria", in Algumas Palavras - Poesia Reunida (1956-2008), Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2008, p. 367.

Friday, March 21, 2025

DA POESIA 1

 



"As palavras são altas. Escutaste
o sentido mais íntimo que tinham
só para que de novo ali chegasse
o que já se tornou numa promessa

que se adivinha apenas e ficava
perdida nesta nave, no lugar
que estava destinado a ser o centro
dessas vozes. Talvez haja um motivo

último para entenderes como é maior
esta presença súbita que unia
a tudo o nosso espírito. Mais nada

se pode ouvir depois. E as outras vozes
ausentes é dali que se aproximam
para que exista agora o teu silêncio."


Fernando Guimarães, "Paixão e Geometria", in Algumas Palavras - Poesia Reunida (1956-2008), Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2008, p. 375.

Thursday, March 20, 2025

TURBULÊNCIA

 



"Um anjo farinhento dissimula
o surdo ruído e a aflação das asas
na sua branca escuridão. Enquanto dura
e a que sucumbe a turbulência da água.

Um anjo farinhento que se embrenha
ao fundo dessa branca escuridão
e arrasta o espaço áspero da azenha 
para um côncavo susto de visão."


Fernando Echevarría, Geórgicas, Porto: Afrontamento, 1998, p. 193. 

Tuesday, March 18, 2025

COM O TRONCO AO CENTRO


 

"A ramificação aurífera das árvores
filtra a frança feliz de esbraseamento.
Até o crepúsculo ir extinguindo o ardor que sabe
a escuro conhecimento.
Depois, o vulto de escuridão só se abre 
à passagem da brisa. Que discrimina o alento
carregado de enxúndia, que perde, pelo que foi a tarde, 
a engurgitação de fundos elementos.
E aligeira-se então. Então a árvore
respira. E as raízes destrinçam o escurecimento
pronto à brancura que há-de, na ramagem, 
nimbar a noite. Com o tronco ao centro."


Fernando Echevarría, Geórgicas, Porto: Afrontamento, 1998, p. 166. 

Sunday, March 16, 2025

REGRESSO (NO ANIVERSÁRIO DE CAMILO CASTELO BRANCO)


 

"A história dos homens é uma teoria, e uma teoria nunca é trágica. Camilo nunca se explicou cabalmente a respeito desse casamento com Joaquina de França, talvez porque, como ele diz, «este facto de dizer a verdade não me pareceu muito do molde e talho para tapar as bocas do mundo». Do caso deve ter ele saído algo logrado e ferido, apesar das manhas tabeliónicas que lhe imputaram. «Uma infâmia», chama-lhe. Que parte teve nela, o seu silêncio não nos deixa margem para análise; ou podemos compreender aí que a ambição, a impaciência e o desfastio, aliados ao abrir daquela Primavera de 1842, deram ao jovem poeta razões de sobra para uma infâmia bem fundamentada. A Primavera, naquelas serras do Mezio e do Alvão, é um fenómeno que aparenta com a recriação do Mundo: a alma sofre-lhe o mistério, não sem lhe sacrificar as delicadezas que se retomam mais tarde com o andas das estações."


Agustina Bessa-Luís, Camilo, Génio e Figura, Lisboa: Casa das Letras, 2008, pp. 43-44.

Saturday, March 15, 2025

NO TEMPLO




"Na casa do Senhor já ouvi cânticos
         De mística toada,
Que em ondas de harmonia melancólica
Alagavam a nave, hoje deserta!
Que é desses, que eu ouvi, saudosos hinos
        De santa inspiração?
Esses que eu já senti n'alma infiltrar-me,
Em êxtases do céu, fervidas crenças
       Na íntima oração?"



Camilo Castelo Branco, Duas épocas da vida, 3.ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1906, p. 197.

Friday, March 14, 2025

TEMER

 



"E os homens esforçavam-se para regressar à terra, mas não conseguiam, porque o mar continuava a vir e a levantar-se mais contra eles. E eles clamaram ao Senhor e disseram: «Não, Senhor! Que não pereçamos por causa da vida deste homem. E não ponhas sobre nós sangue justo, porque Tu, Senhor, procedeste como querias.»
E pegaram em Jonas e atiraram-no ao mar; e o mar parou a sua agitação. E os homens temeram o Senhor com grande temor; e sacrificaram um sacrifício; e oraram orações."


Jon 1, 13-15, in Bíblia, Vol. III, trad. do grego de Frederico Lourenço, Lisboa: Quetzal, 2017.

Wednesday, March 12, 2025

PERFEIÇÃO

 


"A perfeição sem falha de um São Francisco de Assis torna-o estranho. Não encontro nenhum ponto fraco que me permita aproximar-me e compreendê-lo. A sua perfeição é dificilmente perdoável. No entanto, acho que lhe encontrei uma desculpa. Quando já no fim da vida ficou praticamente cego, os médicos atribuíram o seu mal a uma única causa: o excesso de lágrimas."


Emil Cioran, Lágrimas e Santos, trad. Cristina Fernandes. Lisboa: Edições 70, 2022, p. 48. 

Tuesday, March 11, 2025

VIDA

 


"Assim como a arte procura apoio nos primitivos, também estes homens se voltam para épocas quase esquecidas e para os seus métodos, à procura de uma ajuda, pois eles ainda estão vivos nos povos que, do alto dos nossos conhecimentos, estamos habituados a olhar com piedade e desprezo."


Wassily Kandinsky, Do Espiritual na Arte, trad. Maria Helena Freitas, 7ª ed., Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006, pp. 38-39. 

Monday, March 10, 2025

ANIVERSÁRIO

 


"Tudo o que provém do amor puro é iluminado pelo brilho da verdade."


Simone Weil, A Pessoa e o Sagrado / A pessoa humana é sagrada?, trad. Rita Sousa Lopes, Lisboa: Guerra e Paz, 2022, p. 68. 

Sunday, March 9, 2025

RÉPROBO

 




" - Temos a liberdade de escolher.

- Sim, temos esse livre arbítrio não só durante a vida, como depois de mortos. E ele imagina, várias vezes, o caso de um réprobo que chega ao paraíso, ao céu; e então esse réprobo está, bom, entre os jardins do céu, está a ouvir a música celestial, está a conversar com anjos e tudo isso lhe parece horrível e fétido a ele, E, além disso, sofre; por exemplo, sente a luz como uma ferida."



Osvaldo Ferrari, Em diálogo com Jorge Luís Borges, vol. I, trad. Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Círculo de Leitores, 2001, p. 203. 

Saturday, March 8, 2025

POR ENTRE AS CINTILAÇÕES DO FOGO

 


 

"Após algumas explicações pouco esclarecedoras sobre a relação entre o corpo e a alma, Honorius fala do Inferno, ou antes, dos infernos, pois segundo ele existem dois. O inferno superior é a parte inferior do mundo terrestre que está cheia de penas: um calor insuportável, muito frio, a fome, a sede, dores diversas, quer corporais, como as que provêm de contusões, quer espirituais, como as que decorrem do medo ou da vergonha. O inferno inferior é um lugar espiritual onde há um fogo inextinguível e onde se sofrem nove espécies de penas especiais: um fogo que queima e não alumia e um frio insuportável, vermes imortais, especialmente serpentes e dragões, um cheiro horrível, ruídos inquietantes como martelos batendo em ferro, trevas espessas, uma mistura confusa de todos os pecadores, a visão horrível dos demónios e dos dragões visíveis por entre as cintilações do fogo, o clamor lastimoso dos choros e dos insultos e por fim anéis de fogo apertando os corpos dos condenados."

 

Jacques Le Goff, O Nascimento do Purgatório, trad. Maria Fernanda Gonçalves de Azevedo, 2.ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 168. 

Friday, March 7, 2025

IRRUPÇÃO

 


"Este é o rio. A água, esse poderoso material translúcido, um dos quatro mistérios elementais, pode aqui ser vista na sua origem. Tal como todos os grandes mistérios, é tão simples que me assusta. Irrompe da rocha e flui. Durante incontáveis anos, irrompe da rocha e flui. Não faz nada, absolutamente nada, a não ser ela própria."


Nan Shepherd, A Montanha Viva, trad. Jorge Melícias, Lisboa: Edições 70, 2022, p. 74. 

REVELAR


"A névoa, que esconde, pode também revelar. Por causa dela, é possível distinguir os declives e as ravinas naquilo que parecia ser uma simples colina: uma nova profundidade é acrescentada à  paisagem. E numa longa linha de rochas escarpadas, como a grande muralha meridional do Lago Einich, cada contraforte destaca-se como se de recortes rendilhados de van Dyck  se tratasse. Véus de fina névoa movendo-se à deriva ao longo dessa grande superfície do lago - parecem iridescentes enquanto flutuam entre o sol e a rocha vermelha."


Nan Shepherd, A Montanha Viva, trad. Jorge Melícias, Lisboa: Edições 70, 2022, p. 97. 

Wednesday, March 5, 2025

CINZAS

 



"Esta chuva nos consola
do tempo que nos devora.


Devolve o pranto acrescido
de uma esperança na terra
que pisamos e adotamos,
terra em que somos sofridos,
desesperamos e amamos,
perseveramos vivendo
(antes mortos que vividos)
e, bem mais, sobrevivendo.

A chuva nos elabora
perfeita flora de antigo."



Maria Ângela Alvim, Superfície - Toda Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 105.