“Há dias em que somos tão móveis, tão móveis,
como os leves fios que o vento faz voar…
Talvez sob outro céu a Glória nos sorrisse…
A vida é clara, ondulante e aberta como um mar…
E há dias em que somos tão férteis, tão férteis,
como em Abril o campo, que treme de paixão;
sob o influxo propício de espirituais chuvas,
da alma vão brotando florestas de ilusão.
E há dias em que somos tão sórdidos, tão sórdidos,
como a entranha obscura de obscura pederneira;
a noite surpreende-nos, com as suas profusas lâmpadas,
em rútilas moedas taxando o Bem e o Mal.
E há dias em que somos tão plácidos, tão plácidos…
- meninice do crepúsculo! lagoas de safira! –
que um verso, um trinado, um monte, ave que cruza,
e até as próprias penas! nos fazem sorrir…
E há dias em que somos tão lúbricos, tão lúbricos,
que nos oferece em vão a sua carne a mulher;
depois de enlear uma cintura e acariciar um seio,
o redondo de um fruto nos faz estremecer.
E há dias em que somos tão lúgubres, tão lúgubres,
como nas noites lúgubres o lamento do pinhal;
a alma geme então sob a dor do mundo,
e acaso nem o próprio Deus nos pode consolar.
Mas há também ó Terra! um dia… um dia… um dia
em que erguemos âncoras para nunca voltar;
um dia em que sopramos ventos inelutáveis…
Um dia em que nada nos pode segurar!”
Porfirio Barba Jacob, in Um País que Sonha – cem anos de poesia colombiana (1865-1965), selec. Lauren Mendinueta, trad. Nuno Júdice, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, pp. 45-46.
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