"Depois do décimo compasso, Octávio, com ar recolhido, e agitando o queixo nos trechos de bravura, não ouvia nada. Olhava para o auditório, a atenção cortesmente distraída dos homens e para o arrebatamento afectado das mulheres, toda aquela retenção de pessoas entregues a si mesmo, retomadas pelos cuidados de cada hora, cuja sombra transparecia nos seus rostos fatigados. As mães estavam visivelmente sonhando que casavam as filhas, a boca pendida, os dentes ferozes, num abandono inconsciente; era a raiva daquela sala, um furioso apetite de genros, que devoravam aqueles burgueses ouvindo os sons asmáticos do piano. As filhas muito cansadas, adormeciam, com a cabeça entre os ombros, esquecendo-se de permanecerem direitas. Octávio, que tinha o desprezo das pequenas, interessou-se mais por Valéria; decididamente era feia, no seu estranho vestido de seda amarela, guarnecido de cetim preto, mas o seu espírito voltava-se sempre para ela, inquieto, seduzido mesmo; ao passo que, com os olhos vagos, enervado pela música, tinha o sorriso destrambelhado de um doente."
Émile Zola, Roupa-Suja (Pot-Bouille), trad. Pandemónio, Lisboa: Guimarães Editores, s.d., pp. 53-54.
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