Wednesday, August 25, 2021

UM VENTO EM SUSPENSO

 


“Está bem que a vida de vez em quando
nos despoje de tudo.
Na obscuridade
os olhos aprendem a ver mais claramente.
Quando a solidão
é o total vazio do corpo e das mãos
há caminhos abertos para o mais profundo
e para o mais distante.
No silêncio as amadas vozes
Renovam docemente as suas palavras
e as paredes resguardam
o rumor conhecido dos ausentes passos.
Os lábios que antes foram
sítio de amor nas caladas tardes
aprendem a grandeza
da canção rebelde e angustiada.
Há um vento em suspenso
sobre as altas árvores, um repicar de chuva
sobre ruínas obscuras e fumegantes,
um gesto em cada rosto
dizendo amargura e derrota.
Segue-se um lento cair de horas inúteis,
desprendidas do tempo
e mais além do minúsculo círculo do mundo,
- aquele mundo fechado
com as suas vagas estrelas e bruma de sonhos –
desperta intensamente
a ferida voz do homem povoador da terra.
Antes estavam longe, quase desconhecidos,
o combate e o trovão.
Agora corre o sangue pelos leitos iguais
do ódio e da esperança
sem que nada detenha a invasora corrente
das forças eternas.”


Maruja Vieira, in Um País que Sonha – cem anos de poesia colombiana (1865-1965), selec. Lauren Mendinueta, trad. Nuno Júdice, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, pp. 121-122.

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