"depois, disseste que a vida se propagava em transcendente vertigem
e que a seiva ao penetrar os poros do estrume fecundaria a visão
eu perguntava, que dom seria aquele?
o do cego assistindo à projecção dum filme mudo
ambos conhecíamos o sabor do sangue e das açucenas tardias
mas, o tempo atropelou tudo em redor
esquecemos os objectos íntimos e o que estávamos ali a fazer
das palavras restavam os pedúnculos ocos na respiração dum recente medo
viajámos sem rumo
abandonei-te à transgressão do voo e do açúcar
e quando regressámos um ao outro
consentiste-me que roubasse aos deuses o silêncio
e a luminosidade do monólogo"
Al Berto, "Sete dos Ofícios", in O Medo, 5ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2017, p. 184.
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